Liturgia Cisterciense
A liturgia cisterciense, entre as Ordens monásticas, é conhecida pela ênfase na simplicidade, sobriedade e pobreza, como formas de dar enfoque no aspecto substancial do mistério celebrado: Cristo pobre e crucificado. Esses valores permeiam todos os aspectos da liturgia, desde a arquitetura austera das igrejas cistercienses até os paramentos e objetos litúrgicos utilizados durante as celebrações, bem como a escolha dos materiais até a maneira como todas essas coisas são realizadas.
A simplicidade e o minimalismo cistercienses, no entanto, não são sinônimos de simploriedade e nem de desleixo, muito pelo contrário. As primeiras igrejas da Ordem, por exemplo, foram construídas de forma muito delicada, harmoniosa e precisa, porém sóbria e sem ornamentos extravagantes, com o intuito de que os monges não desviassem sua atenção da Palavra de Deus com os adornos exteriores.
Numa época em que florescia e se enfatizava a arte cristã como forma de expressão de fé e de exaltação da glória de Deus – e que não poucas vezes também se negligenciava a vivência do Evangelho-, os cistercienses chamaram a atenção para a necessidade da interioridade e do cultivo das virtudes, que são os verdadeiros e mais importantes adornos da Igreja viva, que é não o templo de pedra, mas a comunidade dos batizados.
Santa Missa Conventual
A celebração da Santa Missa Conventual no Mosteiro de Itaporanga é um kairós, um rico momento em que a graça de Deus se manifesta. A missa diária, realizada pontualmente às 6h30, transcende a espiritualidade intra-monasterial, oferecendo oportunidade para que todo o povo de Deus una-se em comunhão com os monges para participar da liturgia e se alimentar da Palavra de Deus e da Eucaristia.
Durante a celebração, o canto gregoriano-cisterciense envolve todos os presentes, enchendo o ambiente sagrado com melodias antigas e reverentes, elevando os corações em adoração. Os ritos litúrgicos são conduzidos com cuidado e simplicidade, refletindo os valores cistercienses de sobriedade e foco no essencial. A Palavra de Deus, por sua vez, é proclamada, transmitindo mensagens de esperança, sabedoria e renovação espiritual para todos.
A Eucaristia, o ápice da vida cristã, é compartilhada com reverência e piedade, nutrindo espiritualmente os fiéis e unindo-os em comunhão fraterna. Nesse momento, a riqueza dos valores cistercienses é vivenciada e atualizada em sua plenitude, convidando a todos a se aprofundarem no mais importante: na comunhão e no amor ao próximo, no qual, pela Eucaristia, Deus se faz morada. É dessa forma que, juntos, podemos ser Igreja e testemunhar o Cristo ressuscitado.
Ofício Divino
O Ofício Divino, também conhecido como Liturgia das Horas, é uma forma de oração comunitária rezada pelos monges cistercienses seguindo um esquema que se aproxima da Regra de São Bento. Essa prática litúrgica é uma parte essencial da vida monástica, que estrutura o dia em momentos de encontro com Deus e com os irmãos por meio da oração e da meditação nas Escrituras (versículos e salmos).
A primeira oração do Ofício Divino é conhecida como Vigílias e é rezada de madrugada, antes do amanhecer. Essa oração é um convite para despertar a alma e acolher a presença de Deus no início do dia. É um momento de louvor, meditação e escuta atenta da Palavra de Deus, preparando-se para a jornada diária com uma disposição de coração voltada para Deus.
As Laudes são a segunda oração do dia, rezadas logo após as Vigílias. Elas são uma expressão de louvor e gratidão a Deus pelas maravilhas da criação, pela dádiva da vida e pelas bênçãos recebidas. Um momento de entusiasmo e alegria espiritual, reconhecendo a grandeza de Deus e renovando o compromisso de seguir seus caminhos.
Após a celebração da Santa Missa segue-se a Oração de Tércia, Sexta e Noa, conhecidas como as Horas Menores. Essas orações acontecem às 7h30 e 11h30 (Sexta unida à Noa, que às vezes é celebrada às 14h), respectivamente. São momentos de pausa ao longo da correria do dia para voltar a atenção a Deus, buscar sua orientação e fortalecer a união entre os irmãos.
As Vésperas, que ocorrem ao entardecer, marcam o momento de encerrar as atividades diárias e enfatizam o tom de louvor e gratidão na oração, na qual a comunidade monástica agradece a Deus pelas bênçãos recebidas durante o dia e pede sua proteção para a noite que se aproxima. É uma oração solene, conduzida com reverência e recolhimento, preparando o coração e a mente para o dia seguinte.
Por fim, a oração das Completas ocorre antes do recolhimento para o descanso noturno. É um momento de encerrar o dia, colocar a própria vida nas mãos de Deus e buscar o repouso em sua paz. As Completas são uma oração de confiança e de entrega, permitindo que a alma descanse sabendo que Deus está presente com cuidado e carinho em sua jornada diária.
Cada uma dessas orações do Ofício Divino possui um significado único, mas todas se unem para formar um contínuo de oração ao longo do dia, a exemplo do Apóstolo que diz: “Orai sem cessar” (I Tessalonicenses 5, 17), mantendo a comunhão com Deus e com os irmãos em todos os momentos. Essas orações proporcionam aos monges cistercienses um ritmo de vida centrado em Deus, que é o aspecto principal de sua vocação monástica.
Canto Gregoriano-Cisterciense
O Canto Cisterciense, também conhecido como Canto Gregoriano-Cisterciense, é uma forma específica de canto litúrgico desenvolvida no contexto da reforma Cisterciense no século XII. Essa reforma buscou trazer uma maior pureza e rigor ao tradicional Canto Gregoriano, refletindo os valores fundamentais da Ordem Cisterciense.
No início da Ordem Cisterciense, os monges, sob a direção de Santo Estêvão Harding, adotaram uma seleção de peças do canto gregoriano como forma de louvar a Deus durante a liturgia. No entanto, com o tempo, percebendo a necessidade de uma abordagem musical mais autêntica e precisa, em harmonia com os princípios que permeavam sua vida monástica, decidiram buscar os códices que contivessem os hinos originais citados pela Regra de São Bento. Não os encontrando de maneira que julgassem satisfatórios, todavia, empenharam-se logo em reformar o repertório à luz dos elementos da sobriedade, equilíbrio e ênfase na Palavra de Deus. Nessa reforma, São Bernardo de Claraval, um dos principais líderes cistercienses e teólogos do seu tempo, desempenhou um papel fundamental.
Os métodos musicais cistercienses trouxeram um estilo distintivo ao canto litúrgico, caracterizado por melodias suaves, linhas melódicas fluidas e uma ênfase na clareza, na pureza vocálica e na inteligibilidade do texto. Dessa forma, o canto cisterciense tornou-se conhecido por sua beleza simples e meditativa, refletindo a espiritualidade contemplativa e austera da Ordem.
Ao longo dos séculos, o Canto Cisterciense continuou a ser cultivado e transmitido nos mosteiros, através de cópias manuscritas. Com o surgimento e a propagação das imprensas, entretanto, sobretudo a partir do século XIX, os livros passaram a ser publicados pela Tipografia de Westmalle. Hoje, embora tenha passado por algumas adaptações e atualizações, o canto preservou sua essência de expressar a Palavra de Deus com clareza, elegância e simplicidade, sendo difundido na Ordem como parte de seu patrimônio histórico, artístico e espiritual.