Tornar-se Monge
Por que tornar-se monge?
A vida monástica pode ser uma das mais gratificantes e profundas escolhas que um jovem pode fazer em sua vida. E, dentro das muitas ordens monásticas, a Ordem Cisterciense, juridicamente, é a mais antiga dentro da tradição cristã, uma vez que a ordem de São Bento não é propriamente uma ordem, mas uma confederação de mosteiros sui juris (autônomos).
Nós, os monges cistercienses, nos dedicamos a uma vida de oração intensa, ao trabalho dedicado e à vida fraterna em comunidade, num ambiente de paz e silêncio, onde a contemplação é valorizada e incentivada. Buscamos a Deus em tudo o que fazemos, desde a oração diária até a produção de bens necessários para a sobrevivência da comunidade, de modo que, direta ou indiretamente, tudo convirja para o louvor a Deus. De fato essa é a essência da vida monástica: o louvor a Deus, e não ao “ego”, por isso, se você tem um desejo incessante por crescimento profissional, ou por atingir o nível máximo de brilhantismo de carreira, definitivamente a vida monástica não é para você.
Tornar-se um monge cisterciense é um chamado radical e exige uma grande coragem e dedicação pessoal, não é uma escolha para homens vacilantes na fé. Mas a recompensa de viver uma vida completamente dedicada a Deus é incalculável. Vivendo em comunidade, buscamos nos apoiar mutuamente em nossa jornada espiritual e pessoal, criando laços de amizade que duram uma vida inteira, ainda que não seja algo fácil e simples de ser realizado. O Evangelho nos desafia!
A vida monástica também oferece a oportunidade para que cada fiel possa aprofundar a vivência e o conhecimento da fé e da tradição cristã (só isso já deveria bastar para que todos fizessem uma experiência em um mosteiro, ainda que por algumas poucas semanas). Assíduos à Palavra de Deus, dedicamo-nos ao estudo da Sagrada Escritura, além de outros textos de comentários dos santos padres católicos de doutrina ortodoxa (reta, sem desvio ideológico); também prendemos sobre a história da Igreja e da Ordem e desenvolvemos uma compreensão mais profunda da mensagem evangélica.
Além disso, a vida monástica oferece uma alternativa ao frenesi do mundo moderno. A vida no mosteiro é simples, despojada e disciplinada, com rotinas diárias estruturadas em torno da oração e do trabalho. Para aqueles que buscam um escape da agitação e da incerteza do mundo, a fim de se dedicar única e exclusivamente a Deus, a vida monástica pode oferecer um antídoto para a ansiedade e uma oportunidade real de encontrar a paz interior. Mas é bom ressaltar que a paz interior só vem depois de muita guerra espiritual, não é fácil!
Então, se você é um jovem que está procurando um caminho para uma vida mais significativa e profunda, com desafios reais que te exercitarão para o seu crescimento espiritual, considere tornar-se um monge cisterciense. A vida monástica é um chamado para aventureiros espirituais, um convite para a busca incessante de Deus. Não há nada mais recompensador do que uma vida dedicada à contemplação, oração e serviço a Deus e à comunidade. Mas para isso, é necessário deixar que os ‘mortos enterrem seus mortos’ (cf. Mt 8, 18 – 22). Você tem coragem?
Como saber se tenho vocação?
O discernimento vocacional para a vida monástica nem sempre é fácil, sobretudo para os jovens que estão indecisos com a grande quantidade de comunidades religiosas existentes e que, por isso, não sabem qual caminho seguir. Infelizmente essa tendência à indecisão se tornou meio generalizada nas últimas décadas, como consequência imediata do retardamento do amadurecimento dos jovens, aliado a outros fatores, como o excesso de estímulos e possibilidades, que, por vezes, causam muita insegurança e medo de arrependimento no futuro, bem como o aumento de facilidades gerais, graças ao avanço da tecnologia, e a redução de desafios naturais, aos quais nossos antepassados foram expostos precocemente no passado, o que contribui ainda mais para o aumento dessa insegurança individual.
Nessa perspectiva, o processo de discernimento vocacional adequado, acompanhado por alguém mais experiente, é indispensável para descobrir a vontade de Deus na vida do jovem vocacionado, pois lhe permitirá relatar suas dúvidas e preocupações e, ao mesmo tempo, receber uma partilha de alguém que pode ter tido os mesmos desafios e inseguranças. Porém é necessário ter em mente que o discernimento vocacional jamais se encerra na vida de um monge, antes, continua até a hora da morte. O discernimento incessante é o que nos faz renovar nosso “sim” diário e nos abrir constantemente à transformação tão desejada por Deus. Por isso, não é necessário ter certeza absoluta para dar um primeiro passo, ir visitar o mosteiro e passar alguns dias na hospedaria para conhecê-lo, ou melhor, não há nenhuma certeza absoluta a não ser o próprio Deus.
No entanto, algumas coisas são importantes, como ter um coração aberto e uma mente disposta a ouvir a voz de Deus, que muitas vezes nos fala sussurrando através de coisas muito simples. Esse processo de “inclinar o ouvido do coração”, do qual São Bento fala no Prólogo de sua Regra, deve ser feito através de um espírito de oração, de meditação e de recolhimento, e isso implica também se desligar um pouco dos ruídos tecnológicos, afinal, o silêncio monástico não é estar de boca fechada com um celular na mão! É necessário dar um passo além, desligar-se de tudo para ouvir unicamente a voz de Deus, que tudo comunica e transforma.
Por fim, é importante lembrar que o discernimento vocacional para a consagração religiosa, ou melhor, para a renovação das promessas batismais através da vida religiosa, por ser um processo delicado, grave e sério, foi estendido pela Igreja, para que todos pudessem ter mais tempo para refletir. Por isso, não há o que temer, é necessário, antes de tudo, confiar em Deus, manter a mente aberta e o coração disposto a ouvir a sua voz, sem se esquecer que “o justo viverá pela fé” (Hb 10, 38), e que nada mais deve importar para o religioso a não ser o unir-se a Cristo em sua cruz. E é justamente de fé e coragem que se trata o discernimento vocacional. Qual é o tamanho da sua fé? Qual é o tamanho da sua coragem para seguir Jesus? Do que você tem medo?
Etapas formativas
A vida monástica cisterciense, na Congregação Brasileira dos Cistercienses, é dividida em quatro etapas ou estágios formativos, que são os seguintes:
Aspirantado ou experiência: Nesta primeira fase, a pessoa interessada em seguir a vida monástica é chamada de “candidato”. É um período de discernimento indefinido, no qual o vocacionado, buscando conhecer melhor a vida monástica, faz uma opção consciente por estudar e conhecer melhor o mosteiro que mais combina com sua personalidade, para então fazer um primeiro contato e dar início ao acompanhamento vocacional. O vocacionado, a partir do momento em que marca uma visita ao mosteiro, é apresentado à rotina de oração e ao trabalho do mosteiro, além de ser acompanhado de maneira mais aprofundada pelos monges responsáveis, que também procurarão conhecê-lo melhor, a fim de bem orientá-lo. Um candidato, que em estrito senso é um hóspede, poderá marcar várias visitas ao mosteiro, sem nenhuma formalidade ou compromisso jurídico, a não ser o bom senso e um honestíssimo espírito de religiosidade, a fim de fazer a sua experiência de maneira frutífera para a sua vida espiritual.
Postulantado: Uma vez familiarizado à vida do mosteiro, o candidato poderá dar um passo além na sua jornada de discernimento através de um aprofundamento na vida da comunidade, denominado “postulantado”, que é o período da experiência monástica por excelência, no qual o candidato pedirá (postulará) por escrito seu desejo de conhecer a vida do mosteiro de maneira mais realista. Nesse período, o foco da formação monástica é a vivência dos valores monásticos no cotidiano, sobretudo através da oração, do trabalho, da vida comum e do silêncio, ainda que os estudos não sejam ignorados. Uma vez aceito, a sua experiência poderá durar de um a dois anos, mas nunca menos ou mais do que isso. Um postulante não é um monge, não está obrigado a nenhum laço jurídico e espiritual à comunidade e, por isso, poderá deixar o mosteiro quando desejar, sendo que, conforme o acordo entre a Santa Sé e o Brasil, os trabalhos exercidos no mosteiro, por serem voluntários, não geram nenhum vínculo empregatício, de modo que não estão sujeitos à remuneração posterior.
Noviciado: Depois do postulantado, o vocacionado poderá ser admitido ou não à comunidade, mediante voto (escrutínio) de todos os monges. A admissão dependerá de vários fatores, entre eles o espírito de fé, a cooperação com a comunidade monástica e um mínimo de maturidade emocional, que é o esperado para viver em qualquer comunidade. O noviciado é um período de experiência mais intensiva, com duração de dois anos, no qual o noviço (religioso iniciante) estuda as Escrituras, a doutrina católica, a história da vida monástica e a liturgia, a fim de que possa robustecer a sua personalidade e a sua fé, para assim estar preparado para o treinamento espiritual (provação ou ascese, que é o foco da formação do noviciado), pelo qual deverá tomar consciência de seus vícios, enquanto busca incessantemente a aquisição das virtudes. O noviciado é também o período em que se aprofunda sobre a natureza do batismo, da vida religiosa e dos votos, com o intuito de discernir se convém ou não fazer a profissão monástica.
Profissão temporária: Ao final do noviciado, se admitido, o noviço faz uma profissão temporária, também conhecida como “primeira profissão”. A profissão é a emissão pública (declaração) dos votos monásticos beneditinos, a saber: o voto de obediência (ao superior), o qual configura o religioso a Cristo, que se fez obediente até a morte, e morte de cruz; o voto de estabilidade (na comunidade), pelo qual o religioso se vincula definitivamente a Cristo e à comunidade dos irmãos, que é o seu corpo; e o voto de conversação dos costumes, pelo qual o religioso se compromete a viver uma relação íntima (conversa) com Deus na vida em comunidade, segundo os conselhos evangélicos de pobreza e castidade, além dos valores e costumes que são próprios da vida monástica. Nessa etapa, o religioso compromete-se a seguir a vida monástica por um período determinado, que pode durar de três até nove anos, nunca mais ou menos do que isso. Durante esse período, o monge temporário aprofunda seu compromisso com a comunidade e com sua vida espiritual, participando plenamente das atividades e serviços do mosteiro, podendo estar incumbido, inclusive, de alguma tarefa de maior responsabilidade. É também o tempo em que se inicia o discernimento à vocação sacerdotal e o período em que se pode dar início aos estudos de filosofia e teologia, ou um outro, se assim desejar o Abade, independentemente se o professo virá a ser ordenado ou não. É importante lembrar que nem todo monge será ordenado sacerdote, ainda que o deseje, isso porque, através do voto da obediência, ser ordenado já não dependerá mais exclusivamente dele. Isso vale também para quem não quer ser sacerdote.
Profissão solene: Ao fim do período da profissão temporária, o irmão, se admitido, poderá fazer uma profissão solene, também conhecida como “profissão perpétua”, após renunciar formalmente a todos os seus bens materiais. A partir desse momento, o monge se compromete definitivamente a seguir a vida monástica pelos votos de obediência, estabilidade e conversação dos costumes, tornando-se um membro pleno e permanente da comunidade monástica, dedicado à oração, trabalho e serviço aos irmãos e à Igreja, na qual se torna um sinal escatológico do Reino de Deus na sociedade.
O Monaquismo e o Sacerdócio
Embora os monges e os sacerdotes tenham um compromisso com a vida religiosa e espiritual, suas funções e estilos de vida são bastante diferentes, mas não excludentes. Os monges vivem em comunidades afastadas do mundo (anacorese), onde dedicam suas vidas à oração, ao trabalho manual, ao silêncio, ao estudo e à vida em comunidade, a fim de que possam se exercitar (ascese) para um dia chegar ao Reino dos Céus. Já os sacerdotes são aqueles que receberam o sacramento da ordem, a fim de administrar os sacramentos ao Povo de Deus e de exercitar a paternidade espiritual no local onde atuam. Os monges são chamados a viver uma vida configurada com Cristo obediente, pobre e casto, sob a liderança de um pai espiritual, que é o Abade da comunidade, enquanto que os sacerdotes são chamados a guiar os fiéis até Deus.
Apesar disso, a vida cisterciense também é composta por monges sacerdotes que cooperam com o Abade, no entanto, a vida de um monge sacerdote não é a mesma de um sacerdote diocesano, que exerce um posto de liderança e que por isso tem maior autonomia em seus atos. Um monge que foi ordenado sacerdote não está isento da clausura, do silêncio, do trabalho manual e da vida em comunidade, ainda que por vezes possa obter licença para ausentar-se de alguma atividade intramonasterial a fim de prestar assistência sacramental. Essa distinção é extremamente necessária, a fim de que os jovens vocacionados não se frustrem no futuro por criarem falsas expectativas de que poderiam, um dia, possuir um estilo de vida completamente alheio ao que é encontrado no mosteiro. Na vida cisterciense, a vocação sacerdotal é uma extensão da vocação monástica e, por isso, não está isenta dos votos de obediência, estabilidade e conversação dos costumes, antes, como é bem frisado pela Regra de São Bento, está a ela muito mais subordinada se comparada à vocação dos demais (cf. RB capítulos 60 e 62).