Início

Admissão e formação dos candidatos à Vida Religiosa – 1ª Parte

A sequência de artigos da série “Admissão e formação dos candidatos à Vida Religiosa”, compõe um trabalho feito para o curso de Direito dos Religiosos II, ministrado pelo Rev. Pe. Josep Enric Parellada, monge beneditino da Abadia de Montserrat na Espanha, em ocasião do Curso de Formação Monástica realizado em Roma em 2019, e se propõe a refletir sobre as principais questões acerca da admissão e formação dos candidatos à vida religiosa.

Admissao e formacao dos candidatos a Vida Religiosa 2

1. Aspectos teológicos da vida consagrada no Código de Direito Canônico à luz da Lumen Gentium

Os conceitos teológicos basilares que moldaram o atual Código de Direito Canônico no que concerne aos religiosos são profundamente marcados pelas reflexões dos padres conciliares condensadas na Constituição Lumen Gentium, promulgada por Paulo VI em 1964. De fato, é relativamente fácil perceber que todo o Código é permeado de alusões indiretas às mais diversas passagens dessa Constituição, além de outras, como a Perfectae Caritatis.

De modo geral, a Lumen Gentium ressalta a importância dos religiosos para a vida e santidade da Igreja, reconhecendo neles uma autêntica força evangelizadora em virtude do seu estilo de vida, no seguimento de Cristo através dos conselhos evangélicos de pobreza, castidade e de obediência, os quais estão diretamente em confronto com o desejo humano de possuir, de obter prazer e poder sobre as coisas e sobre as pessoas. Nessa perspectiva, a própria revisão do Direito dos Religiosos, cuja versão final foi publicada no Código de 1983, surgiu como uma necessidade real da Igreja em cuidar e regulamentar uma de suas principais bases missionárias e apostólicas,[1] afinal, a vida consagrada é de fato intrinsecamente eclesiológica, pois,

Os conselhos evangélicos de castidade consagrada a Deus, de pobreza e de obediência, visto que fundados sobre a palavra e o exemplo de Cristo e recomendados pelos Apóstolos, pelos Padres, Doutores e Pastores da Igreja, são um dom divino, que a mesma Igreja recebeu do seu Senhor e com a Sua graça sempre conserva. A autoridade da Igreja, sob a direcção do Espírito Santo, cuidou de regular a sua prática e também de constituir, à base deles, formas estáveis de vida.[2]

O novo Código, de tal modo inspirado e fundamentado na Lumen Gentium, buscou frisar que a vida religiosa consiste numa forma de vida estável em que o batizado se propõe a praticar os conselhos evangélicos, tendo como objetivo não a mera realização pessoal, mas sim a consagração a Deus, a construção da Igreja, a salvação do mundo e o preanuncio do Reino vindouro pela caridade[3] num contínuo culto a Deus através da caridade e do sacrifício de si mesmo,[4] tendo como regra suprema de vida o seguimento de Cristo proposto no Evangelho.[5] Dessa forma,

A profissão dos conselhos evangélicos aparece assim como um sinal, que pode e deve atrair eficazmente todos os membros da Igreja a corresponderem animosamente às exigências da vocação cristã. E porque o Povo de Deus não tem na terra a sua cidade permanente, mas vai em demanda da futura, o estado religioso, tornando os seus seguidores mais livres das preocupações terrenas, manifesta também mais claramente a todos os fiéis os bens celestes, já presentes neste mundo; é assim testemunha da vida nova é eterna, adquirida com a redenção de Cristo, e preanuncia a ressurreição futura e a glória do reino celeste.[6]

Nessa perspectiva, o religioso, à medida em que se deixa moldar pelos conselhos evangélicos, tornando-se mais pobre, mais casto e mais obediente, torna-se concomitantemente mais semelhante ao Cristo e, portanto, mais próximo do projeto de Deus para a sua vida. De fato, se com cautela e profundidade depurarmos a teologia da vida consagrada e a resumirmos em poucas palavras, não poderíamos deixar de chegar às conclusões de São Paulo: “Estou pregado à cruz de Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.” (Gálatas 2, 19 – 20) bem como “O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja.” (Colossenses, 1, 24). Dessa forma, a teologia da vida consagrada se condensa no mistério da configuração da humanidade do consagrado à humanidade de Cristo, a fim de ser cristificado ou divinizado nele, mistério esse a que a teologia denominou por theosis.


Notas e Referências

[1] No que se refere ao testemunho de vida, e não necessariamente às obras.

[2] PAULO VI, Lumen Gentium, 1964, n. 43.

[3] Cf. Codex Iuris Canonici (CIC), 1983, Cân. 573.

[4] Cf. CIC, Cân. 607 §1.

[5] Cf. Idem, Cânones 662 e 673.

[6] PAULO VI, Lumen Gentium, 1964, n. 44.

Picture of Ir. Atanásio Garcez

Ir. Atanásio Garcez

Irmão Atanásio Garcez é natural de Barra do Chapéu - SP, nasceu em 1995. Ingressou no Mosteiro em 2016 e fez sua profissão solene em 2022. Na comunidade ajuda como cantor, webmaster e na criação do bosque.

Este site utiliza cookies para garantir que você tenha uma melhor experiência de navegação. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.