Prezados irmãos e irmãs, ontem celebrávamos a Instituição da Eucaristia e unida a ela o Sacerdócio Ministerial. A Eucaristia que é “fonte e centro de toda a vida cristã” no recorda LC 11, e acrescenta que os demais sacramentos e ministérios eclesiásticos estão vinculados à Eucaristia. A comunhão de vida com Deus e a unidade de todo o povo de Deus, só tem seu significado e só são realizados pela força e graça da Eucaristia. Já o documento de Aparecida no número 250 nos diz que: “a Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do discípulo com Jesus Cristo” (com sua pessoa, recordemos os Santos, os próprios discípulos). Com este sacramento, Jesus nos atrai para si (para uma vida nova, vida de conversão de volta para Deus) e nos convida e tomar parte num novo dinamismo, em nova relação com Deus e o próximo (qual o maior mandamento?), nestas três dimensões, em que há um vinculo muito estreito, que é: CRER (na pessoa de Jesus Cristo), CELEBRAR (sua paixão e sobre tudo sua ressurreição) e VIVER (a vida nova trazida por Cristo à luz da Ressurreição) tomar parte no mistério de Jesus Cristo”. Portanto, caros irmãos, é na Eucaristia que se dá a mais perfeita união com Cristo, pois ele é o Sacramento por excelência que nos une no amor e na caridade. É através da Eucaristia que fazemos o nosso encontro com a pessoa de Jesus Cristo, pão da vida e remédio que nos salva.
A Liturgia desta Sexta-feira Santa nos convida à angustiante contemplação do mistério da Cruz, que nos induz a não só comemorar, mas a nos levar a todos à participação e a reviver a dolorosa Paixão do Senhor. Ouvimos na 1ª leitura, Isaías 52,13 e 53,12, o servo sofredor, o Servo de Deus. Mas quem era este Servo? Por outro lado, ouvimos a distante narrativa da Paixão apresentada por São João no cap. 18, 1-9.42. Há de fato uma distância enorme de mais de sete séculos entre os dois textos, (mas que se aplica a Jesus, o servo fiel) que é anulada pela impressionante coincidência dos fatos descritos pelo Profeta com relação aos sofrimentos do Servo de Javé e apresentados pelo evangelista São João com a narração dos últimos dias de Jesus, que acabamos de ouvir. Isaías nos diz que: muitos se espantaram ao vê-lo tão desfigurado, pois havia perdido a aparência humana, estava desprezado e rejeitado pelos homens. É o homem das dores, experimentado nos sofrimentos, Is 52,14.
São João, e também os outros evangelistas, nos apresentam Jesus traído (por Judas, pelos discípulos que fugiram), insultado (pelos sumos sacerdotes e mestres da lei), esbofeteado, coroado de espinhos, escarnecido (pelos soldados e pelo povo, que dizia: se és o Cristo, o filho de Deus) é apresentado com rei dos judeus (qual rei eles esperavam?), abandonado pelos seus amigos (pelos discípulos), é condenado à morte e é crucificado (entre ladrões). A causa de tudo isso, de tanto sofrimento, é indicada pelo profeta: “Foi castigado por nossos crimes, esmagado por nossas iniquidades”, “o castigo que nos salva recaiu sobre ele; por suas chagas fomos curados”, Isaías 53,5, “o julgávamos castigado, humilhado e ferido por Deus”. De fato, esse é o sentimento que exprime Jesus no alto da Cruz quando exclama “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”. Mas acima de tudo, deve-se ressaltar com clareza a espontaneidade do sacrifício na Cruz, pois livremente “o Servo de Javé” se oferece em expiação, Is 53, 7. Livremente Cristo se entrega nas mãos dos soldados, depois de tê-los feito cair por terra com uma só palavra “sou Eu” (a quem procurais? A Jesus de Nazaré? Já vos disse que Sou Eu), ele livremente se deixa conduzir à morte, pois havia dito: “ninguém tira a minha vida, mas eu a dou por mim mesmo”, Jo 10,18.
Caros irmãos, encontramos nas profecias messiânicas, o mesmo e glorioso desfecho desta entrega voluntária de seu padecimento no alto da Cruz, o Cordeiro sem manchas. Assim, demonstra-se que a Cruz de Cristo está no centro da história da salvação, já antevista no Antigo Testamento pelos profetas, que através dos sofrimentos do Servo de Javé, figura do Messias, iria salvar a humanidade, não com os triunfos terrenos (a violência, pela guerra, pelo ódio, pela opressão), mas com sacrifício de si mesmo (pela doação de si mesmo, pelo amor, pelo perdão).
Além disso, entre as leituras do profeta Isaías e a narrativa de São João, insere-se a leitura da carta aos Hebreus 4,14-16; 5,7-9, em que o autor apresenta Jesus, Filho de Deus, na qualidade de Sumo e único Sacerdote. Todavia, esse Sacerdote não está distante dos homens para que “não saiba compadecer-se de nossas enfermidades, e de nossas fraquezas, uma vez que, assumindo a nossa semelhança, experimentou em tudo a condição humana, exceto o pecado”: na realidade, na provação de sua entrega ao Pai, sobretudo na hora da sua Paixão, experimentou na sua carne inocente as asperezas e o sofrimento, as angústias e as fraquezas da natureza humana. No entanto, Jesus “nos dias de sua vida mortal, ofereceu orações e súplicas, com fortes gemidos e lágrimas, a quem podia libertar-nos da morte”. É na agonia do Getsêmani que Jesus exclama: “Abba, ó Pai” e “se te é possível, afasta de mim este cálice! Porém, que não se faça o que eu quero, mas o que tu queres”, e na obediência à vontade do Pai, entrega-se à morte e morte de Cruz (expressão mais ignominiosa e desprezível reservada ao pior dos homens). Assim, depois de haver experimentado suas amarguras e sofrimentos, é libertado pela Ressurreição, tornando-se causa de Salvação eterna a todos os que lhe obedecem. Obedecer a Cristo, Sacerdote e Vítima, significa aceitar com ele a nossa Cruz (a cruz de cada dia, que se realiza plenamente na doação, no perdão, na reconciliação) abandonando-nos à vontade do Pai, pois ele mesmo diz: “Pai nas tuas mãos entrego meu espírito”.
Para finalizar nossa reflexão, a Igreja segue o mesmo caminho do Salvador, que após ter chorado a sua morte, rejubila-se em hinos de louvor e se prostra em adoração, dizendo: “Adoramos vossa Cruz, ó Senhor. Louvamos e glorificamos vossa santa ressurreição, pois é só pela Cruz que entrou a alegria para todo o mundo” (cruz: loucura para os gentios e escândalo para os judeus, mas para aqueles que amam a Deus é sinal de salvação). É com esse mesmo sentimento que a liturgia desta Sexta-Feira Santa convida os fiéis a alimentarem-se da Eucaristia, alimento de vida eterna, que hoje de maneira muito especial resplandece na sua realidade de memorial da morte do Senhor.
Caros irmãos e irmãs, que ressoem em nossos corações as palavras de Jesus: “Isto é o meu corpo que é dado por vós: fazei isto em memória de mim”. E acrescenta São Paulo na carta aos 1ªCoríntios 11,26: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que ele venha”.